Sindicato dos Aeroviários no Estado de São Paulo
Sexta, 11 de Outubro de 2024

Pilotos trocam o Brasil por oportunidades na Ásia

15/08/2017

Andre Giordano é copiloto de Airbus A380 na Emirates Airline (Foto: Divulgação/Emirates)

Uma ligação nas primeiras horas da manhã mudou a vida de Andre Giordano. Do outro lado da linha, um convite praticamente irrecusável: participar de um processo seletivo para ser piloto na Emirates Airline.

Com seis anos de experiência na aviação comercial brasileira, transportando passageiros e carga, voltou-se aos livros especializados em entrevistas para pilotos. Gravava perguntas e respostas no celular para sentir-se preparado. Fazia isso onde estivesse, na academia, em casa ou entre um voo e outro.

Após 40 dias, ao pisar em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, correu para um shopping onde havia um simulador de Airbus A380. Foi o último passo antes dos quatro dias pesados de avaliações. Testes teóricos, simulador, entrevistas, dinâmicas de grupo, exames médicos.

Em pouco mais de três anos, Andre criou raízes em Dubai. De copiloto de Airbus A330, passou a ocupar a poltrona da direita no Airbus A380, o maior avião de passageiros do mundo. E pensar que há cinco anos pilotava uma aeronave turboélice no Brasil.

Andre não se arrepende de nada. A mudança, apesar de brusca, foi fundamental para a carreira e para a vida pessoal. Aliás, é esse aspecto da escolha que ele mais celebra.

“A maior mudança na minha vida foi a segurança. Aqui podemos dirigir a qualquer hora do dia ou da noite sem medo de que algo possa acontecer. Dubai é um lugar muito seguro e aqui temos uma tranquilidade que não tinha no Brasil.”
Andre Giordano, copiloto de A380 na Emirates Airline.

Destino Ásia

A segurança é apenas um dos motivos que fazem os pilotos brasileiros expatriarem. Nos últimos anos, centenas deles deixaram o país em busca de melhores salários, estabilidade, qualidade de vida e experiências culturais.

 

A maioria acaba encontrando esses quesitos em companhias aéreas da Ásia. Emirados Árabes, Catar, Coreia do Sul, China e Japão são os destinos preferenciais. Não à toa. São esses países que experimentam crescimento acentuado na aviação comercial e precisam de mão de obra qualificada para suprirem o aumento da demanda e ter tripulação para os aviões..

Ao não encontrarem em casa esses profissionais – a formação de um piloto de linha aérea não é um processo rápido -, as empresas aéreas asiáticas buscam pilotos prontos ou quase prontos para integrarem os quadros.

A Emirates, do copiloto Andre, realizou no fim de julho um roadshow de recrutamento em São Paulo. O objetivo era encontrar profissionais para serem copilotos de Boeing 777 da divisão de cargas da companhia.

Os salários oferecidos pela empresa estão acima dos R$ 30 mil. Um copiloto de Boeing 777 cargueiro recebe cerca de R$ 31 mil. Tudo livre de impostos e com auxílio-moradia incluído, sem contar outros benefícios.

Os requisitos para abocanhar esses salários são rigorosos: fluência em inglês certificada pela ICAO (Organização de Aviação Civil Internacional), certificado médico válido, experiência em aeronaves multimototores – turboélices ou jatos, incluindo executivos -, pelo menos 3 mil horas em aviões entre 10 e 20 toneladas e 2 mil horas em aeronaves com peso de decolagem acima de 20 toneladas.

Recrutamento

O roadshow da Emirates é apenas um dos diversos que são realizados no Brasil já há alguns anos. Em geral, empresas de recrutamento fazem o intermédio, apresentando as vagas, os requisitos e iniciando os contatos com as companhias aéreas.

O Brasil não é escolhido por acaso para receber esses eventos. A instabilidade econômica joga frequentemente profissionais no mercado. Além disso, os pilotos brasileiros apresentam qualidades consideradas importantes para as aéreas asiáticas.

“Trabalhamos com pilotos brasileiros há vários anos e nós os avaliamos muito bem em termos de proficiência técnica, ética no trabalho, profissionalismo e habilidade de se integrarem às companhias aéreas. Por isso recomendamos aos nossos clientes na Ásia a buscarem pilotos no país.”
Sarah Barry, gerente de recrutamento da Sigma Aviation, com sede em Dublin, na Irlanda.

A Sigma Aviation, por exemplo, já promoveu roadshows no Brasil de empresas como Air Astana, do Casaquistão, Air Macau e Hong Kong Airlines.

Hong Kong Airlines já veio ao Brasil buscar pilotos para Airbus A320 (Foto: Divulgação/Airbus)
Hong Kong Airlines já veio ao Brasil buscar pilotos para Airbus A320 (Foto: Divulgação/Airbus)

Preparação

Participar desses roadshows é apenas o início de uma etapa que pode demorar meses e que não é certeza de um final feliz. Os testes e as entrevistas requerem bastante dos candidatos, seja no aspecto técnico, mas também comportamental.

O comandante de Boeing 777 da Korean Air, Rafael Santos, está há oito anos voando na Coreia do Sul. Saiu do Brasil no auge da crise da Varig, onde havia trabalhado por 22 anos.

Com a experiência acumulada fora do país, ele dá palestras e escreve artigos sobre como se preparar. Junto com a NR Aviation, uma consultoria em planejamento profissional e educacional para aviação, dá palestras e auxilia candidatos que pretendem passar por processos seletivos em companhias estrangeiras.

“Uma escolha profissional é uma decisão importante demais para ser baseada em fóruns de internet ou apenas opinião de amigos e colegas. É um investimento na carreira, no futuro e no futuro da família, e uma ajuda profissional durante o processo pode ser o apoio necessário para uma transição mais suave.”
Rafael Santos.

A cartilha básica para ter sucesso nos processos seletivos tem inúmeras exigências e recomendações. Entre as básicas estão:

– Estudar e aperfeiçoar o idioma inglês;
– Estudar o básico da aviação;
– Vestir-se adequadamente e portar-se de forma profissional e educada;
– Cuidar com padrões operacionais no simulador;
– Manter coerência de acordo com a experiência profissional.

Testes em simulador é uma das principais etapas do recrutamento de pilotos (Foto: Divulgação/Airbus)
Testes em simulador é uma das principais etapas do recrutamento de pilotos (Foto: Divulgação/Airbus)

Nem sempre, porém, o processo seletivo é o item mais difícil para pilotar aviões de companhias aéreas asiáticas. A adaptação à cultura local pode ser traumática e determinante para um rápido retorno ao Brasil.

 

“Ao expatriar tenho que adaptar minha flexibilidade cultural em um ambiente local, que não tem minhas regras, mas regras de um país ou cultura que está me acolhendo. Aí começa dificuldade, de abrir a cabeça. É uma realidade difícil, mas nunca impossível de mudar.”