Sindicato dos Aeroviários no Estado de São Paulo
Sexta, 27 de Setembro de 2024

A grande viagem de Ometto

28/02/2014

Às 20 horas do domingo, 23 de fevereiro, quando o principal acontecimento no interior de São Paulo parecia ser a vitória por 3 a 1 do Botafogo de Ribeirão Preto sobre o até então invicto Palmeiras, no Paulistão, um filho da região protagonizava um dos eventos mais importantes do mundo dos negócios brasileiro no período recente. O personagem atende pelo nome de Rubens Ometto Silveira Mello, nascido em Piracicaba e que se tornou o maior usineiro de açúcar e álcool do mundo, com a tática, muitas vezes controvertida, de comprar concorrentes endividados, incluindo uma dezena de companhias baseadas na chamada Califórnia brasileira.

Naquele exato momento, Ometto, como é mais conhecido, acertou os termos da proposta de fusão de seu grupo Cosan com a América Latina Logística (ALL), a maior concessionária brasileira de transportes ferroviários, dona de uma malha de 13 mil quilômetros. Trata-se de uma transação que criará uma gigante, cujo nome ainda não foi definido, avaliada em R$ 11 bilhões, combinando as atividades da ALL com as da Rumo, o braço logístico da Cosan, que controla oito terminais de carga e descarga no Estado de São Paulo e um terminal marítimo no Porto de Santos. Para fechar a operação, Ometto não precisará desembolsar um só centavo. 
 
O acordo de troca de ações foi acertado pessoalmente entre o empresário e Marcos Lutz, presidente da Cosan, com o consultor Pércio de Souza, especialista em negociações e fundador da butique de investimentos Estáter, que representa desde novembro os principais acionistas da pulverizada ALL. Entre os sócios representados por Souza, estão os investidores individuais Wilson Delara, o casal Ricardo e Júlia Arduini, o BNDESPar e os fundos de pensão Previ e Funcef. O acerto prevê que os acionistas da Rumo fiquem com 36,5% da nova empresa, e caberiam 63,5% para os da ALL. Mesmo assim, a Cosan seria a principal detentora individual de ações, com 27,4% de participação. 
 

 

Como sempre tem acontecido em sua trajetória, Ometto conseguiu maximizar o seu cacife. Com pouco mais de um terço do capital, ele e seus sócios na Rumo, a Gávea Investimentos, do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e o fundo americano TPG, indicarão nove dos 17 integrantes do conselho de administração. Mas, para que isso aconteça, o acordo anunciado precisará ser aprovado pelo conselho da ALL, em até de 40 dias. Além disso, a Rumo deverá abrir o seu capital. “Temos segurança de que essa aprovação vai acontecer”, disse Lutz, durante conferência com analistas na segunda feira 24 . “É um projeto que faz sentido para o País, o de ter uma empresa com horizonte de investimentos.”
É uma tacada e tanto, considerando-se que, de um lado da mesa estava Ometto, reconhecidamente um duro negociador, e do outro um grande número de acionistas, com interesses diversos. O negócio também coroa a diversificação empreendida por Ometto na Cosan, a empresa da família, fundada em 1936, a partir da Usina Costa Pinto, de Piracicaba. Em apenas quatro anos, Ometto passou da condição de usineiro para se tornar um dos mais importantes nomes do empresariado brasileiro. Com uma fortuna estimada em US$ 2,6 bilhões, ele agora é um protagonista de primeira linha em dois importantes setores: o energético e o de logística. 
 
A própria Cosan S.A. será dividida entre Cosan Energia e Cosan Logística. Famoso por seu estilo agressivo e por não temer se endividar, o empresário construiu seu império de cana-de-açúcar assumindo o máximo de usinas rivais que podia. A ponto de “Binho”, como é conhecido pelos mais íntimos, transformar-se em frequente alvo de especulações, por parte dos tradicionais usineiros de Ribeirão Preto, em torno da data inevitável em que iria falir. O empresário de 64 anos nunca se deixou abater por esse tipo de desconfiança. “Sempre disseram que eu estava endividado. A verdade é que eu sempre soube fazer minhas contas”, disse à DINHEIRO ao receber o prêmio Empreendedor do Ano de 2010. 
 
Mas nunca essa sua capacidade foi tão testada como quando decidiu se arriscar para fora do seu setor de origem. E foi aí que ele demonstrou o tamanho de seu apetite pantagruélico por negócios. Um passo preparatório dessa redefinição estratégica aconteceu ainda em 2008, quando Ometto assumiu, por R$ 1,5 bilhão, a rede de postos de combustíveis Esso no Brasil, pertencentes à texana ExxonMobil, a segunda maior companhia petrolífera do mundo. No mesmo ano, ele criou a Rumo, além da Radar, empresa responsável pelas compras e arrendamentos de terras para a agricultura. 
Em 2010, uniu as operações de combustíveis da Cosan com os negócios brasileiros da anglo-holandesa Royal Dutch Shell – dessa vez, um negócio com a segunda maior empresa do planeta, logo após a americana Walmart, e a número 1 do ramo de petróleo. A união dos postos Shell e Esso resultou na criação da Raízen, vice-líder da distribuição de combustíveis do País. Não satisfeito, Ometto resolveu expandir um pouco mais seus interesses no setor de energia, ao arrematar, em 2012, a distribuidora de gás de São Paulo, a Comgás, por R$ 3,4 bilhões. Como resultado desses movimentos, o grupo Cosan transformou-se num conglomerado de R$ 36,2 bilhões de receita líquida, aos quais serão acrescentados agora os R$ 3,6 bilhões registrados pela ALL. 
 
No ranking AS MELHORES DA DINHEIRO 2013, a Cosan já figurava como o 20º grupo empresarial brasileiro. Agora, caminha para o grupo dos 10 maiores. Se alguém se perguntar até onde Ometto pode ir e não conseguir a resposta, um consolo: nem ele tem. Uma coisa é certa: o antigo usineiro não está nem um pouco arrependido das decisões do passado, principalmente a de diversificar seus negócios. Se ele tivesse ficado no instável mercado sucroalcooleiro, poderia, de fato, ter quebrado – como muitos de seus pares –, abatido pelo encolhimento do setor nos últimos anos e espremido nos preços pela competição com a gasolina subsidiada do governo. 
 
No entanto, Ometto sempre foi ambicioso, como ele mesmo reconhece, e cresceu cercado profissionalmente por pessoas que igualmente valorizavam o sucesso empresarial. Entre os seus mentores, o principal deles, costuma dizer, foi o empresário José Ermírio de Moraes Filho, do Grupo Votorantim. Nos anos 1970, recém-formado em engenharia mecânica pela Escola Politécnica da USP, o jovem piracicabano acabou convidado pelo próprio José Ermírio para trabalhar no Votorantim, depois de um bom papo num jantar da família Ometto. Com apenas 24 anos de idade, já era diretor financeiro do tradicional conglomerado paulista. 
Depois dessa experiência, foi chamado por seu tio Orlando Ometto, um dos fundadores da empresa aérea TAM, para presidir o conselho de administração da companhia. Tinha uma missão especial: afastar o acionista minoritário Rolim Amaro do negócio, com quem o tio não se afinava. Em vez disso, Ometto preferiu sugerir a venda da empresa ao desafeto, por perceber em Rolim um grande talento e largo conhecimento sobre o setor aéreo. Deu no que deu. Foi então que, aos 30 anos, voltou para o mundo sucrolacooleiro e para os negócios da família. Começou aí a sua viagem empreendedora bastante ousada, mas também recheada de controvérsias e polêmica. 
 
Até garantir o controle completo da Cosan, precisou passar por uma década de pendengas judiciais com os primos, irmãos e a mãe, por querer concentrar todos os negócios familiares em um grupo, contra os desejos dos parentes (dona Isaltina, falecida no ano passado, chegou a contratar um escritório de advocacia de São Paulo para preservar a integridade do seu patrimônio). Ometto também bateu de frente com o mercado de ações, quando anunciou, em 2007, dois anos após o IPO na Bovespa, uma reestruturação societária que criava a Cosan Limited, sediada nas Ilhas Bermudas. Ao obrigar os acionistas a trocar suas ações pelas da holding estrangeira, o empresário daria à sua fatia um poder de voto dez vezes superior ao de uma ação comum.
 
O CONCILIADOR Se conseguir concretizar o acerto com a ALL, Ometto provará que é mais do que um mero semeador de discordâncias, que só prospera em meio ao caos. Mas que, quando quer, também pode ser um conciliador. A origem do casamento entre Rumo e ALL foi belicosa, como nos romances de folhetim, uma espécie de Romeu e Julieta, sem Capuletos e Montecchios, mas com final feliz, como se viu. A Rumo acusava a ALL de descumprir um contrato acertado para o transporte, durante 15 anos, de sua produção de açúcar. Pelo acordo, as empresas deveriam fazer investimentos de R$ 1,2 bilhão. À Rumo, caberia a ampliação do seu porto e a ALL precisaria duplicar os seus trilhos. 
Seria um projeto de importância para a infraestrutura voltada ao Porto de Santos. Afinal, para descer de Itirapina (SP) ao terminal, descarregar a mercadoria e depois trazer a locomotiva de volta é necessário utilizar o mesmo trilho, contribuindo para o esgotamento do sistema. O projeto, no entanto, se provou mais complicado do que parecia para a ALL, quando descobriu que mesmo uma duplicação simples de trilhos exigiria a aprovação do Ibama, pelo fato de o percurso incluir áreas indígenas. “Estamos na fase final da obtenção das licenças ambientais para a duplicação do trecho de Campinas a Santos”, afirmou Alexandre Santoro, presidente da ALL, em conferência com os analistas. 
 
“A partir do momento que as autorizações forem concedidas as obras podem ser concluídas entre 10 e 12 meses.” Faltam investir ainda R$ 150 milhões no projeto. A ALL também era acusada de descumprir contratos de entrega e pagar a multa resultante, para poder fazer transportes mais rentáveis, como os de grãos vindos do Centro-Oeste. As reclamações não eram exclusivas da Cosan. A ALL – conhecida por ser uma empresa com executivos altamente voltados aos resultados financeiros e que até a metade da década passada pertenceu ao empresário Jorge Paulo Lemann – já utilizava essa prática desde quando detinha a concessão apenas da malha ferroviária do Sul do País. 
 
Depois de adquirir a Brasil Ferrovias, em 2006, e aplicar políticas similares, a companhia de logística começou a sofrer resistências por parte de grupos mais poderosos, como a família Maggi e a Cargill, afirma uma fonte que conhece bem essa operação. No entanto, a voz mais forte foi a de Ometto. A falta de investimentos e as práticas agressivas chamaram a atenção do governo. “Na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), começou-se a discutir até a cassação das licenças da empresa”, diz a fonte. A discórdia não interessa ao governo Dilma. “O Palácio do Planalto interveio e pediu ao BNDES que pressionasse pela concretização do negócio da ALL com Ometto.”
No começo das negociações para evitar uma arbitragem, só havia rancor dos dois lados da mesa. Mas, com o passar do tempo, as posições foram se abrandando e o componente emocional refluiu, criando o clima propício para tratar de uma fusão, afirma uma fonte familiarizada com o tema. Agora, o governo espera o surgimento de uma empresa com maior capacidade de investimentos. Ometto promete que direcionará mais do que o dobro de recursos que a ALL, que tem investido por volta de R$ 800 milhões ao ano. Por isso, parte do mercado vê com bons olhos a fusão. “A ALL vem buscando eficiência de custos desde 1996, quando ganhou a concessão para a operação da malha Sul, mas esse modelo chegou à exaustão. 
 
Os índices de acidentes aumentaram ao longo do tempo” diz Renato Hallgren, analista do BB Investimentos. “O acordo foi muito positivo. A partir do momento em que as companhias começarem a atuar em conjunto, acredito que a ALL terá níveis melhores de eficiência operacional.” Mas nem todo mundo está soltando rojões por conta da fusão entre a Rumo e a ALL. Na verdade, as reclamações já começaram. A Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja) apresentou queixa ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) demonstrando preocupação de que a carga de açúcar e etanol da Cosan possa ter prioridade de transporte e afete o carregamento de grãos. 
 
“Acho que a fusão vai piorar a situação ferroviária brasileira”, afirma Olivier Girard, consultor especializado em logística, de São Paulo. “A ALL era a última empresa independente. O Brasil terá agora um sistema ferroviário basicamente voltado para carregar cargas próprias.” Afinal, 99% do sistema estará sob o controle de três grandes empresas: a Rumo-ALL, a Vale e a MRS Logística, que atende às siderúrgicas e mineradoras, como Gerdau, Usiminas e CSN. Trata-se de mais uma disputa na trajetória de Ometto, um empresário que historicamente não demonstra receio de enfrentar grandes desafios, e que parece estar sempre pronto para a próxima grande tacada. Procurado pela DINHEIRO, Ometto não concedeu entrevista.